segunda-feira, 27 de junho de 2011

Arte Extraordinária

Extremófilos, decompositores, humanos. Humanos que diariamente suportam condições extremas e participam de atividades relacionadas à reciclagem de produtos, muitos deles (embalagens) provenientes da cadeia alimentar. Adaptam-se ao meio para suprir suas necessidades, sem perder o bom humor e a esperança em uma realidade mais gratificante. São esses os personagens do documentário, além dos artistas participantes. Lixo Extraordinário, feito em conjunto entre Inglaterra e Brasil, uniu arte ao cotidiano de catadores do Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, membros da ACAMJG (Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho). A organização foi fundada por Tião (vulgo Zumbi) e busca, entre outros objetivos, a divulgação da coleta seletiva e a valorização dos trabalhadores envolvidos.

O artista plástico brasileiro Vik Muniz, cuja obra é mais conhecida no exterior, interessou-se pelos catadores do Jardim Gramacho e viu na arte uma possibilidade de inclusão. Reuniu-se com Zumbi e, posteriormente, outros membros da associação, que foram convidados a separar materiais recicláveis para a composição de obras de arte, a serem fotografadas e leiloadas.



Em entrevistas, os catadores demonstram coragem para expressar seu caráter, de honestidade e humildade, diante de ofertas de participação no crime ou outras formas de obtenção de renda. Há também o caráter para ter coragem, já que o sustento "mais rápido" e "menos laborioso" é incompatível com a forma de pensar desses indivíduos, que optam por trabalhar diariamente em meio a resíduos industriais, domésticos e oriundos dos mais variados locais e situações.



Em dois anos de produção, o documentário registra acontecimentos referentes aos trabalhadores e à ACAMJG. O envolvimento com o projeto tem impactos na renda e na autoestima dos catadores. Artistas participantes, tanto do trabalho com os catadores quanto da produção cinematográfica resultante, também são beneficiados.



A produção cinematográfica teve excelente repercussão e foi premiada. Mas talvez a maior recompensa seja conclusão de vários projetos pessoais dos personagens,
registrados no final do documentário, baseadas nas transformações consequentes do projeto.

domingo, 26 de junho de 2011

Visão do Escafandro


Ressaca cultural, novamente, desta vez causada por algo francês. Inebriante, de fino gosto, que exige algumas atividades sensoriais, mas principalmente a sensibilidade psicológica. Trata-se de um filme: O Escafandro e a Borboleta (Le Scaphandre et le Papillon, no título original, em francês), do cineasta e pintor nova-iorquino Julian Schnabel, digníssimo dos prêmios que recebeu por sua atuação como diretor do filme.
O Escafandro nos convida à imersão na história real do jornalista Jean-Dominique Bauby, ou "Jean-Do", como chamavam-lhe os amigos. "Bon-vivant", editor da revista Elle (de moda, francesa), pai de três filhos, sofre um acidente vascular cerebral (AVC) aos quarenta e três anos. Três semanas depois, mais ou menos, sai do coma e começa uma dramática tentativa de recuperação.

Ao acordar, movendo apenas seu olho esquerdo, Jean-Do percebe a incapacidade de se expressar por meio da fala. É diagnosticado pelos médicos como portador da "síndrome locked-in", ou "síndrome do encarceramento". Sua fonoaudióloga (representada na foto acima) desenvolve um método em que as letras mais usadas na comunicação (no idioma francês) eram sequenciadas e ditas ao paciente. Ele deveria piscar uma vez para escolher a letra, quando fosse dita pela fonoaudióloga. Em perguntas cujas respostas deveriam ser "sim" ou "não", ele deveria piscar uma vez para dizer "sim" e duas para dizer "não". O mesmo gesto de piscar duas vezes seguidas deveria ser usado como espaçamento (como o de um teclado) entre uma palavra e outra, quando ele estivesse escolhendo as letras soletradas.



Jean-Do, pouco antes do acidente, pretendia escrever um livro. Durante a estadia no hospital, decide executar seu projeto, usando o meio de expressão desenvolvido pela fonoaudióloga. A editora envia uma responsável por registrar as palavras de Jean e dessa forma, todo o livro é escrito. O protagonista descreve sua sensação de aprisionamento no próprio corpo como o uso de um escafandro, do qual ele poderia ver sua borboleta (a redatora do livro, por quem o jornalista desenvolveu grande afeto).



Do mesmo modo que a borboleta inspirava o prisioneiro de um "casulo", a imaginação e as memórias mantinham no jornalista alguns traços da liberdade da qual anteriormente desfrutava. A empatia e o altruísmo, dos funcionários do hospital e dos amigos e parentes de Jean, preenchem a trama de forma intensa e mostram-se determinantes para a diminuição do desconforto vivido pelo protagonista. Talvez um longa-metragem obrigatório aos estudantes e profissionais da área da saúde.



Indicado a qualquer pessoa disposta a ter novas perspectivas, também proporcionadas por ângulos de filmagem e percepção bastante originais.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Seis cordas bambas

E foi assim que começou, como disse em texto anterior.
http://demielina.blogspot.com/2011/03/ha-quinze-anos-minha-primeira-banda.html



A paixão surgiu cedo, muito antes da coordenação motora necessária ou do tamanho de mãos mais propício à arte de (tentar) tocar. Parecia muito mais fácil, ao ver meus heróis tocando. Mas não era tão simples: envolvia paciência e dedicação, coisas que sempre (ou quase sempre) me faltaram. As aulas de guitarra, orgulhosamente inciadas aos nove anos de idade, eram divertidas e interessantes. Mas não eram o suficiente para que eu, sem ao menos praticar o que me era pedido, aprendesse a harmonizar os barulhinhos desconexos emitidos pelo instrumento, a partir de mãos e ouvidos inexperientes. Era preciso mais. Era preciso empenho.



E por falta dele, parei. Uma vez, aos onze. Aos catorze, quis voltar. Veio o primeiro violão, depois a primeira guitarra. Paga à vista, com minhas economias de mesada. E em uma escola de música próxima à minha casa, conheci quem passaria ao menos dois anos tentando me ensinar a emitir sons dignos de guitarra, e mais do que isso: estimular -me a praticar o que se deveria aprender, fora das aulas.
Mas não. Se a paciência e a dedicação diária não faziam parte da infância, seriam ainda mais escassas na adolescência. As aulas eram apenas diversão, troca de idéias e a passagem (inconformada) de exercícios e músicas pelo meu instrutor, que sempre me recomendava estudos.
O tempo passou e sua disponibilidade diminuiu. Houve novos objetivos, estudos de vestibular (tanto meus quanto do professor). Ele ingressou na faculdade de música, em outra cidade. Anos depois, me mudei pelo mesmo motivo: graduação (no meu caso, não concluída). Houve novas mudanças, até que eu parasse na terra do cavalo crioulo, onde pagode e músicas sertaneja e gaúcha são predominantes. E com o afastamento da cidade anterior, do rock e de tudo o que permeava minhas influências sonoras e positivas, veio a vontade de trazer de volta o que causava saudades.
Decidi voltar a tocar. Melhor dizendo: aprender mesmo a tocar. Missão ainda não cumprida, perfeitamente, mas já razoavelmente encaminhada. A ignorância quase total foi substituída pela memorização de cifras (algo que ainda não tinha realmente despertado meu interesse). Aos poucos, surgiram movimentos mais cadenciados, ruídos menos desagradáveis e um prazer viciante. Algo que se faz sozinho, mas no qual parece haver harmonia com uma realidade maior. Uma meditação, ausência momentânea de pensamentos (incessantes em vários momentos do dia). Exercício, terapia e a idéia de estar evoluindo, desenvolvendo uma nova habilidade. Tão simples que se torna complexo descrever em palavras.
Não tão complexo quanto o equilíbrio na corda bamba. Até porque as cinco cordas a ela somadas trazem conforto e tranqüilidade. É a arte que faz espetáculos, mas que pode aos poucos ser aprendida, sem dor, apenas para o entretenimento individual.